O enfoque sistêmico, no entanto, renunciando a qualquer tipo de conteúdo normativo da razão prática, não trepida em apagar até esses derradeiros vestígios. O Estado passa a formar um subsistema ao lado de outros subsistemas sociais funcionalmente especificados; estes, por sua vez, encontram-se nllma relação configurada como "sistema-mundo circundante", o mesmo acontecendo com as pessoas e sua sociedade. Partindo da idéia hobbesiana da auto-afirmação naturalista dos indivíduos, Luhmann elimina conseqüentemente a razão prática através da autopoiesis de sistemas dirigidos auto-referencialmente. E tudo leva a crer que os esforços de reabilitação e as formas empiristas retraídas não conseguem devolver ao conceito de razão prática a força explanatória que ele tivera no âmbito da ética e da política, do direito racional e da teoria moral, da filosofia da história e da teoria da sociedade. A razão comunicativa distingue-se da razão prática por não estar adscrita a nenhum ator singular nem a um macrossujeito sociopolítico. O que torna a razão comunicativa possível é o medium lingüístico, através do qual as interações se interligam e as formas de vida se estruturam. Tal racionalidade está inscrita no telos lingüístico do entendimento, formando um ensemble de condições possibilitadoras e, ao mesmo tempo, limitadoras. Qualquer um que se utilize de uma linguagem natural, a fim de entender-se com um destinatário sobre algo no mundo, vê-se forçado a adotar um enfoque performativo e a aceitar determinados pressupostos. Entre outras coisas, ele tem que tomar como ponto de partida que os participantes perseguem sem reservas seus fins ilocucionários, ligam seu consenso ao reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade criticáveis, revelando a disposição de aceitar obrigatoriedades relevantes para as conseqüências da interação e que resultam de um consenso. E o que está embutido na base de validade da fala também se comunica às formas de vida reproduzidas pela via do agir comunicativo. A racionalidade comunicativa manifesta-se num contexto descentrado de condições que impregnam e formam estruturas, transcendentalmente possibilitadoras; porém, ela própria não pode ser vista como uma capacidade subjetiva, capaz de dizer aos atores o que devem fazer. A razão comunicativa, ao contrário da figura clássica da razão prática, não é uma fonte de normas do agir. Ela possui um conteúdo normativo, porém somente na medida em que o que age comunicativamente é obrigado a apoiar-se em pressupostos pragmáticos de tipo contrafactual. Ou seja, ele é obrigado a empreender idealizações, por exemplo, a atribuir significado idêntico a enunciados, a levantar uma pretensão de validade em relação aos proferimentos e a considerar os destinatários imputáveis, isto é, autônomos e verazes consigo mesmos e com os outros. E, ao fazer isso, o que age comunicativamente não se defronta com o "ter que" prescritivo de uma regra de ação e, sim, com o "ter que" de uma coerção transcendental fraca - derivado da validade deontológica de um mandamento moral, da validade axiológica de uma constelação de valores preferidos ou da eficácia empírica de uma regra técnica. (p.20)
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